Dorita de Castel’Branco

Tão frágil a moça Dorita – disse alguém ao vê-la, durante a Semana da Bahia, nos salões do Casino Estoril, tomando contacto com a arte que se faz do outro lado do Atlântico, fazendo-se amiga dos colegas brasileiros – como poderá enfrentar os materiais da escultura, talhar a madeira, a pedra, o ferro, fazendo a vida brotar da ponta aguda do cinzel?

Mário Cravo, mestre escultor ele próprio habituado às criações monumentais, olhou para Dorita que dançava esvoaçante e discirdou numa afirmação de conhecedor: “A força do escultor- afrimou Mário- não está no braço do indivíduo nem na sua ginástica, em seus músculos, num fisico de gigante; a força do escultor está na medida do seu talento, no fundo dos olhos capazes de ver o conjunto e os detalhes, está na própria grandeza do artista”.

Razão demais tinha Mário Cravo ao completar: “Engana-se quem pensar que se trata de uma frágil menina; trata-se, isso sim, de uma artista maior, um escultor de linhagem e presença indiscutíveis”.

Compreendi a verdade da afirmação do mestre baiano, tive a medida exacta da força de criação de Dorita de Castel’ Branco quando me foi concedido o previlégio de visitar o atelier, onde a escultora trabalhava num conjunto escultórico para o Palácio da Justiça de Benavente, se não me engano. De Dorita eu vira e admirara trabalhos menores, de sedutora beleza, algumas medalhas de alta qualidade, mas ainda não tivera oportunidade de uma visão de conjunto de sua obra, tão pouco a ideia precisa da violência, da paixão e do volume de sua criação artística. A moça sensível, capaz da medalha precisa, da pequena peça burilada, apareceu-me então na medida exacta e grandiosa. Que força a dessa escultora, revelada nos monumentos! Artista para a praça pública, para a admiração e o amor do povo- mais além da estima e do louvor elitistas reservados para a invenção dos trabalhos de pequeno porte e grande sensibilidade. As duas Doritas não se opõem: ao contrário, se completam, são uma única e grande artista.

Gostei de tudo quanto vi, de todas as peças nascidas de suas mãos, com certas criações me emocionei. Mas, de tudo quanto me foi dado ver antes, durante e depois da visita ao atelier de Dorita, em companhia e Zélia e do amigo Nuno Lima de Carvalho, amei sobretudo um Santo António gordo e bonachão, um santo bem português e humano, um santo feito para a reza. Desde então penso em Dorita de Castel’ Branco como alguém que tem raízes na terra sofrida, sabe da arte e da experimentação necessária para criá-la, mas que é também íntima dos santos, Dorita do rabicundo Santo António, moça frágil, desmedido escultor.

Jorge Amado

1982

Torso, Bronze 23x11x7cm


Agarrando o pé, Bronze 22x19x9cm Em arco, Bronze 18x16x7cm

Flexão, Bronze 15x18x9cm Bailarina, Bronze 20x20x13cm

Familia, Bronze 38x22x13cm Justiça, Bronze 42x18x11cm

“Dorita vive em escultura como outros vivem em religião: num acto de entrega absoluta em si mesma.” David Mourão Ferreira, 1987

“A Dorita é uma verdadeira escultora. Perante a adversidade conservou a sua alegria de viver. Foi essa alegria que lhe deu forças para realizar uma obra vasta, com uma indiscutível capacidade emotiva. O futuro vai compreendê-la melhor.” Francisco Sousa Neves, 1995

“Corajosa e independete. A qualidade das suas eculturas tem-se manifestado através da sua actividade artística. A Dorita é uma escultora versátil, sem procurar a facilidade. Em muitas das suas obras encontram-se condições de durabilidade para além do “moderno” de qualquer época, notoriamente a nossa.” Professor/Escultor António Duarte, 1996

“A escultura de Dorita rejeita todos os elementos vinculados à escultura tradicional. Num trajecto que parte da figuração para a essencialidade da forma, o seu projecto artístico baseia-se num processo de simplificação gradual da figura, esquematizada e descaracterizada, até atingir uma síntese plástica não figurativa, inserindo-se numa tendência cada vez mais forte para a forma pura, perceptível e abstracta.” Prof.José Fernandes Pereira, in Dicionário de Escultura Portuguesa ,2005

“Julgo difícil apresentar por palavras a obra da escultora e amiga Dorita. As palavras estão fora do alcance e da extensão dos dados específicos da linguagem escultórica, pensada com os olhos e assumida com as mãos. Importa salientar e sublinhar, hoje, no conjunto da obra de Dorita, uma precisa exigência plástica em termos de modernidade, de originalidade, mas sobretudo pelo que implica de profundo saber oficinal e justa articulação das suas particulares vitórias técnicas. Mulher possessiva, intuitiva e apaixonada, toda a sua obra reconduz-nos ao ritual da criação e ao gesto no mais límpido exercício da comunicação humana. Amiga, vais dar-me “bons dias” nesta terra e nesta data e eu irei responder-te.” Professor/Escultor João Duarte, Fevereiro 2007

“Dorita viveu apaixonadamente o acto criativo da vida.” Charters de Almeida, Fevereiro 2007

“Dorita: como mulher, é uma força da natureza; como escultora, uma grane Artista. E, também, uma grande Amiga.” Manuel Cargaleiro, Fevereiro 2007

Sem Título, 1972, acrílico s/platex 70x102cm

Desenho nº1,1996, Aguarela s/papel33x24cm Desenho nº2,1996, Aguarela s/papel33x24cm

Desenho nº3,1996,Aguarela s/papel46x27cm Desenho nº4,1996,Aguarela s/papel49x30cm

Desenho nº5,1996,Acrílico s/cartão20x8cm Desenho nº6,1996,Acrílico s/cartão20x8cm

Gato I,1996,Tinta da China S/papel33x24cm Gato II,1996,Tinta da China S/papel33x24cm

Podemos dizer que Dorita de Castel’Branco era uma artista também da Galeria de Arte do Casino Estoril. Realizou aqui duas das suas exposiç~es individuais. Participou em cerca de duas dezenas de colectivas e conquistou o seu mais valioso prémio – o 1º prémio das quatro edições do Prémio Edinfor de Escultura. Editou para o Casino Estoril medalhas sobre Jorge Amado e o Padre António Vieira, respectivamente para a semana da Bahia e a medalha de Fernando Namora para a exposição comemorativa do cinquentenário da actividade literária deste escritor; a medalha do II Slão Internacional de Arte Infantil, inaugurado por Grace de Mónaco e a cujo júri presidiu e a medalha da Semana de Macau no Estoril .

Falecida há dez anos, esta exposição tem por objectivo principal homenagear Dorita de Castel’Branco e a sua obra, que estatísticamente se traduz em 24 exposições individuais e mais de uma centena de colectivas; 34 esculturas ou conjuntos escultóricos implantados em jardins e praças ou edíficios públicos, no país e no estrangeiro, tendo sido distinguida com uma dezena de prémios.

Além do seu trabalho artístico, Dorita de Castel’Branco foi durante 34 anos professora nos liceus D.Leonor, D.João de Castro e Maria Amália Vaz de Carvalho e nas escolas secundárias Patrício Prazeres e António Arroio, justificando-se que esta exposição seja dedicada aos seus antigos alunos e, também, aos seus muitos amigos.

Fevereiro 2007


Dorita de Castel’Branco: Nasceu em Lisboa a 13 de Setembro de 1936. Concluiu em 1962 o curso superior de escultura na escola superior de Belas Artes de Lisboa. Bolseira da Gulbenkian de 1963 e 1964 em Paris, onde frequentou a “École Supérieure de Beaux Arts” e a “Académie de Feu de Paris”. É contratada professora do ensino liceal a partir de 1962, inicialmente nos liceus D.Leonor (77/79 e 85/86) e na escola António Arroio (66/67, 76/77 e 86/92), exercendo, assim, a docência em simultâneo com uma permanente e profícua actividade artística.

Realizou 25 exposições individuais de 1965 a 1996, ano da sua morte, nos seguintes espaços e galerias: Casa da Imprensa, Palácio Foz, Parque Eduardo VII, Galeria de Arte do CAsino Estoril, Comissão Regional de Turismo de Leiria, Hotel Elcelsior de Macau, Galeia São Mamede, Fórum Picoas, Galeria de Fitares e, ainda, na Sociedade de Estudos de Lourenço Marques e Beira (Moçambique), consulado de Portugal no Rio de Janeiro e Museu Assis Chateaubriand de S.Paulo (Brasil). Participou em cerca de uma centena de mostras colectivas, algumas das quais no estrangeiro – Madrid, Barcelona, Budapeste, Florença, Estocolmo, Estados Unidos, Finlândia e Bélgica, durante a Eupália.

A sua obra pública está espalhada por todo o país em edifícios, jardins e praças públicas, palácios de Justiça e também no estrangeiro – nas embaixadas de Portugal em Brasília e Caracas. Construiu em Macau um grande monumento à entrada da ilha de Taipa.

Executou mais de quatro dezenas de bustos e retratos de amigos e personalidades públicas.

Foi titular de numerosos prémios, de entre os quais se realças o 1º prémio da II Bienal Internacional del Deport, em Barcelona (1969) e também o 1º Prémio Edinfor de Escultura, na Galeria do Casino Estoril, em 1993. Executou bustos e retratos de mais de qutro dezenas de figuras públicas e foi autora de cerca de uma centena de medalhas e troféus.

Está representada nos museus Nacional de Arte Moderna e Antoniano de Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian de Lisboa e Paris, Biblioteca Nacional de Lisboa e Museu Regional de Aveiro.

Morreu em Lisboa em 23 de Setembro de 1996.

Nota de Inês e a escultura: as fotografias e os textos apresentados acima foram tirados do catálogo da Exposição da Galeria de Arte do Casino Estoril 2007

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Graças ao produtivo e simpático comentário de Manuel Sá-Marques, é possível acrescentar mais uma peça de arte a este artigo, aqui está:

busto-de-bernardino machado

Busto de Bernardino Machado da autoria de Dorita Castel-Branco, doado ao Museu Bernardino Machado de Famalicão pela Família Sá-Marques

fotografia: Manuel Sá Marques

http://manuel-bernardinomachado.blogspot.com/2009/03/busto-de-bernardino-machado-da-autoria.html